segunda-feira, 23 de julho de 2012

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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A Tela Branca e Azul

Raramente se viam e já não se falavam mais pelo telefone. Não que fossem separados por uma grande distancia, moravam na mesma cidade, relativamente perto.

Eram separados por uma cadeia de acasos, com desculpas nascidas da própria rotina. Pelo menos era isso que ela falava, e era nisso que ele acreditava.

No tempo que ficaram sem se ver, o que ele sentia por ela foi pouco a pouco transferido para uma tela no canto do seu monitor. Uma tela branca e azul, pela qual conversavam.

Passou por tardes nubladas, noites demoradas e até sábados de sol com os olhos abertos apenas em função daquela tela. Até mesmo as mensagens sem sentido eram responsáveis pelo sentido do seu dia.

Aos poucos, o que mais gostava nela foi substituído. O brilho dos cabelos deu lugar à luz do monitor. A cor dos olhos cedeu aos pixels coloridos. E até mesmo os suspiros, os quais tanto gostava, viraram consoantes sem significado. O que sentia foi diminuindo pouco a pouco, até não ser maior que a tela.

Se relacionou tanto com aquele código binário que, ao ver a pessoa por trás da tela branca e azul, já não sentia a mesma coisa. Sua voz não o encantava, seus olhos não tinham o mesmo brilho e a sua presença não cativava.

Conversaram casualmente, estranhamente. Evitavam os olhos um do outro. Ele, procurando o encanto que já não pertencia aquele mundo. Ela, não se sabe.

Ele sabia que, depois desse encontro, a tela no canto do seu monitor havia perdido o brilho, a graça. A verdade por trás da tela branca e azul havia matado a tela branca e azul.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Dudu

Pobre Dudu, sempre foi levado a idealizar. Não era de propósito. Mal sabia que era algo ruim, principalmente naquela idade. No próprio parque de diversões, ao ver a montanha russa, já se imaginou nela, nos loops, nas voltas, em tudo. Entrou na fila animado, deveria demorar, mas quem ligava?

Quanto mais se aproximava do carrinho, mais rápido seu coração batia. Era um amor infantil entre Dudu e a montanha. Na metade do caminho seu medo já havia sido vencido, e quando estava para subir, não se via em outra coisa.

- Não pode entrar.

Foi a única coisa que o homem de peitoral estufado e olhos maldosos falou para Dudu. Era a altura? Era a idade? Dudu nunca iria saber.

Só sabia de uma coisa. Agora, tinha ainda mais medo de montanha russa.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Barba por fazer

A cada três ou quatro manhãs, dependendo da hora em que fiz a barba da ultima vez, tenho uma agradável visão ao acordar: a barba por fazer perfeita.

Não que ela seja perfeita em relação a todas as outras barbas do mundo, claro que não. Mas, para uma barba dura e cheia como a minha, dura de crescer e cheia de falha como diz meu pai, esse é o seu melhor estado.

Nesse dia, até o banho pela manhã é mais cuidadoso. Com direito a xampu no centímetro de pelo facial e ser enxugada com uma toalha branca, só para ver o algodão preso nos fios de barba contrastando com a pele.

Se o bigode estiver desproporcional, o que normalmente acontece, já tiro com a gilete. Confesso que, dessa forma, evito piadas envolvendo indianos, sorveteiros e “aquele cara engraçado daquele filme lá”, que, obviamente, também é indiano.

Visto minhas roupas e, depois de alguns minutos admirando a barba por fazer perfeita, pego a mochila e saio de casa.

A felicidade desse dia é grande, porém passageira. Dura o tempo de entrar no ônibus e encontrar alguém com uma barba de verdade. O que faz com que eu fique o dia todo querendo voltar para casa, pegar uma lamina de barbear e tirar essa porcaria da minha cara.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

20 Anos Parado

Ele não saberia dizer quando a ausência de movimento havia chegado. Ou se era ele que teria chegado até ela.

Imitando a movimentação na estrada, os impulsos de seus neurônios pareciam seguir um ritmo lento, demorando a virar cada esquina de pensamento e parando nos semáforos de atenção.

Quando conseguia velocidade em alguma linha de raciocínio, logo era tirado dela. Às vezes eram os amigos ao lado, no banco de trás. Em outras, era o motorista ou a moça sentada no banco do passageiro.

Perdido entre os carros do congestionamento, havia outro, verde, também cheio de conhecidos. Todos iam à mesma festa, que parecia ter mudado para dentro dos próprios carros. Onde todos eram levados mais pela embriaguez do que pela estrada.

Iam sem pressa, como se a cada dois metros houvesse alguma atração turística para se apreciar. Mas nada mudava ao passar, até mesmo os carros das outras faixas pareciam ser sempre os mesmos, andando todos na mesma velocidade. Inclusive, um ônibus que seguia o mesmo ritmo dos carros, com muitas paradas entre cada parada.

Enquanto os motoristas apuravam os sentidos para mudar a marcha, alternando os pés entre o acelerador, a embreagem e o freio, os passageiros alternavam os copos de mãos e as conversas de assuntos.

Igual aos carros, que andavam cada vez menos, os pensamentos dele também pareciam frear. E foi com essa calmaria, em meio a um caos de buzinas e gritos, que a meia noite passou. E ele ainda não havia pensado nisso.

Não havia pensado em vinte anos de história que acabava de completar. Não tinha conseguido filosofar sobre a vida, como fazia todo ano. Sobre onde estava e onde queria chegar. Isso como pessoa, claro, e não fisicamente.

Meia noite e um. Todas as perguntas que o atormentavam anualmente estavam fora de sua cabeça. Lá, havia apenas espaço para conversas, risadas e algumas buzinas. Uma delas, inclusive, vindo do carro em que estava, para comemorar o seu aniversário. Um dos amigos no banco de trás havia lembrado.

Foi assim que encarou os seus vinte anos: parado.

Sabia que era melhor assim, poupando-se das perguntas que vinham acelerar o ritmo dos seus neurônios todos os anos. Neurônios estes, alias, que preferiam que ele continuasse parado. Mais tarde, mal conseguia andar, só não sabia se era efeito do álcool ou do congestionamento. Preferia não saber.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Um dia, tudo cai

Foi por esses dias, não sei qual ao certo, que caiu a minha ficha. Finalmente entendi que não sei muito sobre mim mesmo. Aliás, nunca tive o costume de falar que caiu a ficha, principalmente porque faz tempo que os telefones usam cartão. Não sei porque usei esse termo, especialmente logo em um texto auto-biográfico.

Meus próprios genes, por exemplo, não conheço. Na pressa de criar alguém novo, jogaram espanhóis, portugueses, alemães, afro-descentes e indígenas em uma espécie de liquidificador genético. Ao servir, acabei com cara de indiano, mesmo que não houvesse nenhum na receita original. Pelo menos nenhum que eu saiba.

Uma das minhas poucas certezas, é a de que possuo uma memória horrível. Parece até que já foi usada. Isso contribui ainda mais para o pouco que sei sobre mim, já que tenho dificuldades de refazer minha infância e adolescência até onde estou.

E, sobre onde estou, também pouco sei. Tanto fisicamente como sobre o momento, a situação em que me encontro. Sei mais ou menos o nome da rua, ou talvez esse seja o nome da rua de baixo. Quanto ao momento, pode ser bom, novo. Ou apenas mais um que tente parecer assim. Não sei.

Escrevendo, vejo fios pretos contrastando com a palma da minha mão. Meus cabelos caem, mesmo tendo pouco mais de vinte anos. E isso não consigo esquecer, já que meu espelho me relembra todas as manhãs.

Um dia, tudo cai. Inclusive a minha ficha, a qual eu já deva ter comentado. Não sei.

domingo, 15 de maio de 2011

Vida Parada

Ele já estava cansado do que a vida havia lhe reservado. Cansado de correr atrás e não conseguir, ou de ficar parado e nada acontecer. Parecia que o mundo girava contra ele, que o sol se erguia sempre da mesma forma apenas para mostrar que mais um dia nascia e que nada seria diferente.

Dias, meses e anos se passaram. Nada. Cresceu, amadureceu, trabalhou e, mesmo assim, nada. Achava incrível como tão pouca coisa poderia acontecer com uma pessoa só. Rezava pedindo até por alguma tragédia, um terremoto, um furacão ou uma doença. Qualquer coisa que fizesse a sua rotina sair da rotina.

Tentou os esportes, sempre empatava. Tentou a arte, a inspiração não vinha. Tentou viajar, foi e voltou. Nada de diferente, nada.

Começou a apelar. Viajou de avião com um estilete no bolso, a policia não o parou. Entrou na igreja universal vestido de diabo, o ignoraram. Falou que ia largar a mulher, ela o ajudou a fazer as malas. Pediu para voltar, ela o aceitou.
Desistiu de tentar e aceitou a sua vida sem graça.

Amanhã ele viaja para visitar a irmã.

Amanhã o avião dele irá cair.

Enfim, amanhã será um bom dia.