quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Don Camilo

Todos sabem que Don Camilo não perde. Que, no poker, não existe ninguém melhor. Isso lhe rendeu status, fama e poder. Durante anos, poucos ousaram desafiar Don Camilo. E, com vergonha e sem dinheiro, os perdedores desaparecem no mundo. Era como se houvesse uma maldição sobre os que perdem para ele. E todos perdem.

Antônio já havia ganho campeonatos de poker, coisa pequena, dinheiro o suficiente para se manter e comprar um carro popular. Mas tinha talento e pressa. Por isso desafiou o grande Don Camilo para subir logo ao topo. Vendeu o carro, hipotecou a casa e emprestou dinheiro dos concorrentes de Camilo em outros negócios, relacionados a Colômbia ou algo parecido.

Na casa de Don, em uma mesa redonda, Antônio espera com mais dois homens. O primeiro, o próprio filho do satanás, o primogênito do dono da casa. Famoso por gostar de poker, mas perder grandes quantias em jogos. O segundo, um veterano dos grandes torneios, que durante anos juntou coragem para desafiar o grande jogador.

Don entra na sala. Perto dos seus 60 anos, o diabo tem uma barriga e uma papada que falam algo sobre respeito e poder. Terno risca de giz e um chapéu com o mesmo estilo. Antônio não achava que estereótipos assim ainda existissem. Parece que o próprio Winston Churchill havia desistido da guerra para jogar baralho.

Ele acende um charuto, o dealer se aproxima, e o jogo começa. Antônio repara que o filho de Don tem a mesma habilidade para baralho que uma foca selvagem. E não se surpreende por ele sair primeiro com um blefe ridículo. Já o profissional demora mais tempo, mas logo aposta todo seu jogo em uma trinca e perde para um full house do Don.

Sobram apenas os dois na mesa. A experiência contra o talento. Don olha pela primeira vez para os olhos de Antônio e faz um sinal com a cabeça. Parabenizando o adversário. Os dois sabem esconder o jogo, os dois sabem se arriscar na hora certa e os dois sabem a hora de fugir. Horas se passam, charutos se acabam e a sorte de Antônio mostra a sua cara. Sua quantidade de fichas já é o dobro das de Don.

Apenas o novo, o velho e o dealer continuam na sala. Antônio aposta a quantia de fichas de Don, olha para suas cartas, olha para os olhos do adversário, e rapidamente volta a encarar sua mão. O velho capta esse olhar e encontra ali um blefe. Confiante em sua trinca de reis, ele paga para ver.

Os lábios de Antônio esboçam um sorriso. Ele mostra sua mão com dois ases, e um terceiro na mesa. O Don abre as cartas, assumindo a derrota. O vencedor abre os braços para juntar suas fichas. Feliz o bastante para não ouvir um estalido de metal, seguido pelo som característico da pólvora ecoando em um cano de revólver. A dor e a surpresa chegam ao mesmo tempo. E com elas, o verdadeiro motivo pelo qual ninguém, absolutamente ninguém, vence Don Camilo.

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