Sentado à beira de uma calçada, ele lembra de como tudo começou com algumas simples mentiras. Que uma mania infantil o levou para aquela situação.
Sentado, sozinho, sujo. Suas roupas rasgadas pelo uso sem trocar. Todos os seus pertences repousando em uma mochila velha ao seu lado. Aquilo era o seu mundo, aquela rua movimentada na frente, aquelas pessoas passando e aquele cheiro horrível. Que ele sabia ser dele.
Nesse 1º de Abril ele fica esperando, como em todos os outros, que as pessoas saíam de trás dos carros estacionados e de dentro das casas. Falando que é tudo mentira. Que os últimos 10 anos foram apenas brincadeira. E, mesmo sendo loucura, ele espera por isso, fielmente, todo ano.
Lembra-se da infância, da família e dos bons momentos. Tão distantes agora. Lembra de como brincava com a sua imaginação quando criança, e do quanto gostava disso. Tanto, que nunca parou.
Recorda também dos amigos se distanciando. Dos pais preocupados. E do “tio” que ele visitava duas vezes por semana para conversar, deitado em um sofá estranho.
Uma lágrima escorre pelo seu rosto, abrindo caminho pela sujeira. Quer chorar, da mesma forma que chorava na escola, no banheiro. Escondido das outras crianças, que dele riam. Ele ainda ouve as risadas, e vê os dedos apontando.
Agora, pelo menos, ele tem amigos de verdade. Eles são estranhos, e podem até não conversar com ele. Mas, de alguma forma, sente que eles dedicam a própria vida para ele. Sente-se especial.
Fica olhando o movimento, esperando as pessoas do seu passado finalmente falarem que era tudo brincadeira. Só não entende porque eles não vieram no 1º de Abril dos outros anos. Também não entende porque aquelas crianças do outro lado da rua o encaram. Devem achar ele louco. Aquelas três, carecas e com a pele levemente azulada.
Decide que ainda falta muito para o dia acabar. Que o jeito é ignorar as crianças, esperar e ensaiar a sua cara de surpresa.
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Há 4 semanas
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