domingo, 8 de março de 2009

Oscar

Oscar tinha orgulho do monte da areia que se erguia em sua frente. Sem dúvida ele tinha o melhor castelinho entre as crianças da praia. Isso se os meninos mais velhos não voltassem para chutar a sua obra outra vez.

Há algumas horas aquilo tudo não passava de areia plana. Levemente inclinada, talvez. Mas agora o seu castelo já tinha 3 torres, formando um triângulo equilátero que apontava para o mar. Em volta havia um fosso, e quando a maré vinha, a água escorria nas caneletas que a mandavam para longe.

O menino tinha orgulho de tudo aquilo. Levantou-se com o baldinho nas mãos. Admirou a sua construção de cima. Limpou a areia das pernas e ajeitou a sunga. Observou o interior do castelo e decidiu fazer um lago ali dentro, para a maré encher quando vier. “Fácil”.

Olhou a maré vir mais forte que o normal. A água entrou pelo fosso, e se não fosse a sua proteção com palitinhos de sorvete, o seu castelo tinha sido destruído. Sorriu mais uma vez. Os seus 12 picolés de limão haviam valido a pena.

Saiu correndo para achar outras crianças para ver o seu castelo. Chegou ao lado de três meninos que tentavam fazer um, e riu do monte de areia disforme deles. Perguntou se eles gostariam de ver um castelo de verdade e os levou até onde estava o seu.

Nessas horas você descobre muito sobre a fibra de uma pessoa, mesmo de uma criança. Muitas outras teriam chorado, mas não o pequeno Oscar, ao ver que a maré havia limpado o seu belo castelo triangular. Os três meninos riram, apontaram e foram embora.

Oscar soltou o seu baldinho e, calmamente, observou o que restou do seu trabalho. Viu que os palitos de sorvete não aguentaram o fluxo de água. Viu também que o fosso havia ficado mais raso por causa da areia que a maré sempre trazia.

Juntou os palitinhos dentro do balde, pegou a sua pá e foi atrás do sorveteiro. Porque não havia nada que mais 10 picolés e um Niemeyer trabalhando não dessem conta.

terça-feira, 3 de março de 2009

Atraso

Sem dúvidas, aquele era um péssimo dia para ele. Não que os outros fossem bons, mas aquele estava incrivelmente ruim. Quando se é guarda auxiliar de uma faculdade, aos 58 anos, a vida não parece tão agradável. Principalmente com a sua mulher gritando no seu ouvido e a sua filha grávida sem saber quem é o pai. Definitivamente: que dia horrível.

Era dia de matrícula na faculdade. Os calouros chegavam com as suas famílias. Documentos em mãos, caminhando de um lado para o outro. Conversando e sorrindo. E o velho nada podia fazer além de encarar toda aquela felicidade. Controlando a sua vontade de vomitar. “Que dia nojento”, pensou.

Tomou um tempo de folga e foi para fora. Acendeu um cigarro e se pôs a fumar. Viu mais uma família feliz subir as escadas e sentiu vontade de cometer um crime. Invejava toda a felicidade a sua volta. Soltou a ponta do cigarro no chão. Apagou-a com o pé direito e voltou para dentro.

No dia ele era o responsável pela entrada de um corredor, onde aconteciam as matrículas de alguns cursos. Era dia de lista de espera, o que tornava as pessoas ainda mais insuportavelmente felizes.

Chegou à sua porta e viu todos aqueles jovens esperando. Abriu as portas do corredor e deixou todos aqueles alunos sorridentes entrarem. Com os seus agradecimentos por ele abrir a porta, insuportáveis. Olhou para baixo, tentando não ficar ainda mais nervoso. Quando entrou o último aluno, ele encostou as portas. Apoiou as costas na parede e ficou fitando o nada.

Então chegou um último aluno. Subiu as escadas correndo e pediu para o guarda abrir as portas. Mas o velho apenas barrou a sua passagem. Olhou no relógio. Viu um atraso de 3 min. E um sorriso sádico apareceu em seus lábios.

Sinto muito”, falou. Deu de ombros e assistiu o ex-futuro calouro se afastar cabisbaixo. “Até que o dia não está tão ruim”, pensou ele, sem nem mesmo imaginar que estava salvando uma vida. Ou algo muito próximo disso.

P.S.: Essa é uma história real que eu mesmo inventei.